POR QUE É QUE AS BOAS SÉRIES FICAM MÁS?

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É um esforço hercúleo manter a qualidade de uma série da primeira para a segunda temporada. Especialmente quando a equipa de guionistas não faz o trabalho de casa.

Quantos de nós começaram a ver uma série que, entretanto, abandonaram a meio? Será que as preferências e gostos pessoais mudaram inesperadamente de rota? Ou será que houve um rombo na história?


Emily Thorne é uma nova-rica que decide mudar-se de malas e bagagens para os Hamptons. Mas tem um plano: Vingar-se de todas as pessoas da alta sociedade responsáveis pela morte do seu pai, com especial enfoque na família Grayson.
Esta é a premissa de Revenge, a série da ABC findada em 2015. Com uma primeira temporada surpreendentemente bem estruturada, temos um ambiente lugubremente intriguista e feminino em todos os episódios. Em cada um, Emily foca-se num alvo a abater distinto, cruzando-se sempre com a narrativa dos Grayson e com os vértices do triângulo amoroso de que faz parte. Com a tensão sempre em crescendo, chegando a um pouco em que, bem evoluídas as personagens, todos se desmoronam.


Ademais, grande parte da história da primeira temporada se passa antes de um assassinato horrendo ocorrido no primeiro episódio da série. Pelo que cada capítulo é um passo em frente para a explicação e desenlace de todo aquele cenário.


Todavia, começada a segunda temporada, estamos perante uma série esquizofrénica. A narrativa dos Grayson ganha pernas e cai na escuridão desnecessariamente complexa de um grupo terrorista, que conspurca por completo toda a história, ao mesmo tempo que Emily deixa de se focar na lista de pessoas de que se quer vingar. Acabamos por ter episódios em que acompanhamos as aventuras e desventuras amorosas de Emily, pontuados por momentos em que ela se lembra de se vingar de uma pessoa, de formas bem menos inteligentes das apresentadas na anterior temporada.


A partir daqui, a série piora. Com a saída do criador, Mike Kelley, e as constantes renovações da história, tornando-a numa telenovela de quinta categoria e piada de mau gosto.
Contudo, a par de Revenge, temos outras tantas séries.


E o âmago do problema está na construção da história, ainda na fase anterior à escrita propriamente dita.
É que, acredito, muitos dos escritores, aquando da criação de uma série, pensam apenas na primeira temporada, deixando muitas pontas soltas e problemas para mais tarde serem resolvidos, caso haja uma renovação, e sem sequer pararem para pensar se a história corre o risco de se esgotar facilmente.


E isto está errado. Uma série, para ter credibilidade e evitar problemas de sentido, ritmo, ambiente e tema, tem de ser pensada de fio a pavio. Não importa se vai ou não ter segunda, terceira, quarta, ou décima temporada. Temos de saber o início, meio e fim do que temos para contar.
Já Aristóteles escrevia na Poética, "ser um todo é ter princípio, meio e fim".


Em Battlestar Galactica, tudo o que vemos nas primeiras temporadas se liga com as revelações que mais tarde ocorrem, relativas aos Cylon e à descoberta do planeta Terra. Todos os pontos ligam de forma harmoniosa, o que faz dela uma das séries mais consistentes que tenho visto.


Também em Being Erica, apesar de todos os problemas graves que teve, os escritores sabiam de antemão o que nos iriam apresentar: A protagonista azarada, desempregada e encalhada, ajudada por um terapeuta que a levava a viver arrependimentos passados, iria tornar-se, não só numa mulher realizada e bem-sucedida, como também numa terapeuta capaz de controlar o tempo, de forma prestar auxílio à filha desaparecida do seu próprio terapeuta.
É tão gratificante e elevatória a sensação de termos um produto bem estruturado e pensado.
Se Emily tivesse delineado melhor o plano de vingança, teria tido, decerto, mais sucesso.

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