A ILUSÃO DOS DADOS DEMOGRÁFICOS

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Pensarmos que as características das personagens e da premissa da história de um produto audiovisual vão atrair telespectadores com características semelhantes é o mesmo que dizermos que o nosso filho se meteu na droga devido à pressão dos pares.


Numa entrevista à Rolling Stone, os Duffer Brothers, criadores da série revelação Stranger Things, confidenciaram que, antes de terem abordado a Netflix com a proposta do projecto, foram rejeitados por vários canais e produtoras. Diziam-lhes, em jeito de justificação, que o facto de a série sobrenatural ter crianças como protagonistas não iria atrair a maioria da população. Teriam ou de torná-la numa história infantil ou de fazer com que fosse o polícia da trama o protagonista.
Contudo, recusaram-se a fazê-lo. De contrário, a história perderia toda a sua originalidade e magia.
E o que é certo é que a série foi, de facto, um sucesso, nomeadamente entre adultos na faixa etária 18-49 anos.


Esta odisseia dos Duffer Brothers teve um final feliz. Contudo, a maioria dos casos não é assim.
Tanto os canais em sinal aberto como os do cabo estão obcecados pela diversidade no que toca à inclusão e à representatividade. Mas, se repararmos, percebemos que isto não passa de uma ilusão. E de preconceito.
Por que razão não poderei, sendo homem, ver uma série feminista, como o é Orange Is The New Black? Se me deixasse consumir por essa ideia de que se trata de uma série para lésbicas, feministas ou mesmo para mulheres que estiveram presas (o que seria um verdadeiro despautério), não acompanharia uma das séries mais consistentes e provocantes que tenho visto.


Todavia, sei, com algum pesar, que há muito boa gente que não vê determinado tipo de programa aclamado pela crítica, pois acha que não se enquadra nos seus gostos.
O problema é que as pessoas não enxergam que se uma série estiver bem escrita, realizada e interpretada, nada mais interessa. A nossa atenção vai imediatamente ser conquistada. E vamos ficar saudavelmente viciados. A um produto inteligente, que nos acrescenta e, muitas vezes, nos molda enquanto seres humanos.


Se atentarmos na nova série da NBC, This Is Us, apercebemo-nos de que os protagonistas são, todos eles, de classe alta e que têm problemas típicos do primeiro mundo. Todavia, a história é acompanhada por cerca de nove milhões de telespectadores. E não me venham dizer que todas essas pessoas pertencem à Classe A.


Já a série The L Word, contando as aventuras amorosas de um grupo de lésbicas, foi concebida com o anelo de captar telespectadoras LGBT. Todavia, uma grande fatia da população que acompanhava a história dizia respeito a homens heterossexuais.
Por cá, a série folhetinesca Morangos Com Açúcar retratava as vidas de jovens estudantes do ensino básico e secundário. Contudo, contrariamente ao esperado no que é concernente ao público-alvo, eram mulheres com mais de 64 anos, da Classe D, quem mais assistia ao produto, segundo dados da Marktest. Por seu turno, os jovens acompanharam mais as tramas de Belmonte e Santa Bárbara, por, acredito, terem uma linguagem mais alternativa e original e não por narrarem as vidas de outros jovens.


Que não se perca tempo a decantar as séries e os filmes da nossa watchlist de acordo com aquilo que achamos serem os "nossos gostos". Se uma série tem seguidores, se tem gente competente à frente do projecto, se tem boas referências, então que não se ligue ao facto de os protagonistas serem gays (como no filme premiado Brokeback Mountain), que não importe que a premissa da história seja sobre um homem que tem de cuidar do seu filho alienígena (filme de culto Eraserhead), que não incomode o facto de a acção estar mergulhada na política (como na série House of Cards).
A Arte é para todos. Sem exclusões. Sem demografias.

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